No ano de 2007, o diretor Luiz Fernando Carvalho recebeu carta branca da
direção da Globo para tocar sua mais nova criação, o Projeto Quadrante. O projeto nasceu após o sucesso de Hoje É Dia de Maria, e foi idealizado
para mostrar a diversidade cultural do país, a partir da adaptação de obras
literárias nacionais filmadas na região onde se passa a história original, com
a participação de elenco e mão de obra locais. As obras a serem adaptadas eram A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna; Dom Casmurro, de Machado de Assis; Dois Irmãos, de Milton Hatoum; e Dançar Tango em Porto Alegre, de Sérgio
Faraco.
A Pedra do Reino, em cinco capítulos, foi ao ar ainda no ano de 2007
e considerada um fiasco de audiência. Acusada de ser excessivamente hermética,
a adaptação da história de Ariano Suassuna amargou o terceiro lugar no Ibope à
época. Praticamente “esquecida”, A Pedra
do Reino revelou ao Brasil Irandhir Santos, ator que viria a ser destaque
em outras produções do diretor anos depois. No final de 2008, o Projeto Quadrante teve sequência com Capitu, adaptação de Dom Casmurro. Desta vez, a trama foi
mais compreensível, mas Carvalho não abriu mão de sua assinatura que flerta com
o teatro, com o barroco e o artesanal, praticamente toda gravada dentro de um
teatro e em formato de ópera. Chamou a atenção o texto, cuja adaptação de
Euclydes Marinho manteve trechos intactos de Dom Casmurro. A produção revelou
Letícia Persiles, que dividiu com Maria Fernanda Cândido o papel-título. A trilha sonora fez sucesso, na qual se destacou Beyrut e seu “Elephant
Gun”.
Depois disso, porém, a emissora interrompeu o Quadrante, e Luiz Fernando Carvalho se dedicou a outros trabalhos
experimentais na televisão. Minisséries como Afinal, o que Querem as Mulheres? e Suburbia deixaram claro que o diretor seguia firme na intenção de
trazer novidades à televisão, experimentando novas texturas, nuances, takes e
acabamentos, além de levar seu elenco a uma imersão capaz de nivelar todas as
atuações. Logo depois, recebeu o sinal verde para levar o seu estilo único para
as novelas, e vieram Meu Pedacinho de
Chão e Velho Chico, tramas que
levaram Luiz Fernando Carvalho a retomar a parceria com o autor Benedito Ruy
Barbosa, de quem dirigiu os clássicos Renascer
e O Rei do Gado, além de Esperança.
Foram tantas as idas e vindas que não se esperava que o Quadrante fosse retomado. A emissora não
mais trabalha com este nome, mas a estreia de Dois Irmãos, baseada na obra de Milton Hatoum, mostra que a
proposta do diretor de mostrar a diversidade cultural do país foi mantida. Com
cenas gravadas no Amazonas, Dois Irmãos
levou Manaus para todo o Brasil, ao narrar a rivalidade de dois irmãos gêmeos,
Omar e Yaqub.
Sem o hermetismo de A Pedra do
Reino e sem as concessões “rap operísticas” de Capitu, Dois Irmãos
manteve intacta a assinatura de Luiz Fernando Carvalho, mas se mostrou mais
acessível que as produções anteriores. Diminuiu-se o tom lúdico e os figurinos
excessivamente exóticos e aumentou o pé na realidade, visto na constituição da
Manaus entre os anos 1920 e 1980, traduzida em belos cenários e fotografia
deslumbrante. O tom barroco permaneceu, mas dialogou perfeitamente com a época
e a trama em si. Com isso, não afugentou o público um tanto avesso às
novidades, e sem precisar abrir mão da qualidade para isso. Não há dúvidas de
que Dois Irmãos foi uma obra de arte
na TV.
Deixando a plástica sempre eficiente da equipe de Luiz Fernando Carvalho
de lado, Dois Irmãos também teve o
mérito do texto afiado. A trama, adaptação de Maria Camargo da obra de Milton
Hatoum, foi intensa, inquietante, cheia de elementos capazes de fisgar o
público. A saga dos gêmeos Omar e Yaqub (vividos por Matheus Abreu e Cauã
Reymond) traduziu a eterna luta do bem e do mal e a dicotomia das relações
humanas. Trata-se de uma saga bíblica, desde Caim e Abel, colocando irmãos em
pontos opostos, vértices de uma disputa eterna. Aqui, a distância entre Omar e
Yaqub pode ter sido construída ainda na infância, com a escolha meio
inexplicável da mãe entre um e outro. Zana (Gabriella Mustafá, Juliana Paes e
Eliane Giardini) cuidou de Omar, o protegeu e o escolheu para ficar ao seu lado
quando precisou separar os irmãos, mandando Yaqub para o Líbano. O tempo e a
distância, no entanto, não fizeram diminuir a rivalidade entre ambos, muito
pelo contrário, gerando novos conflitos e tragédias. Ou seja, um drama familiar
e humano cheio de camadas, e é impossível o público ficar indiferente.
Há quem acuse Dois Irmãos de
ser lenta, arrastada ou enfadonha. Concordo com o “lenta”, mas discordo
veementemente do “arrastada” e “enfadonha”. Dois
Irmãos andou ao seu próprio ritmo, com pausas e sinalizações herdadas da
literatura, mas que destoam do ritmo veloz da TV de hoje, daí a estranheza. No
entanto, tais pausas e contemplações foram fundamentais para que o público
criasse seus laços com os personagens e as situações, compreendendo seus movimentos.
Neste contexto, Dois Irmãos manda um
recado claro para a audiência: não importa se o ritmo é lento ou veloz, desde
que haja uma história e um motivo claro para determinar qual o melhor tom da
velocidade. Precisamos ir além da atual máxima que prega que apenas obras com
ritmo de YouTube fazem sucesso nos dias de hoje. A boa audiência de Dois Irmãos prova que isso não é uma
verdade absoluta.
Isso sem falar no incrível trabalho dos atores, sendo impossível apontar
quem foi melhor. Antonio Fagundes (Halim), Eliane Giardini (Zana), Juliana Paes
(Zana), Irandhir Santos (Nael), Antonio Calonni (Halim), todos tão plenos,
viscerais e entregues ao enredo e donos de grandes momentos. O jovem Matheus
Abreu foi uma grata revelação. E Cauã Reymond, mesmo com uma imagem um tanto
saturada depois de tantos trabalhos seguidos, mostrou seu melhor momento na TV.
Omar e Yaqub eram distintos, e o trabalho do ator deixou isso bem claro ao
público.
Dois Irmãos, assim, encerra sua trajetória em meio a muitos e
merecidos aplausos. Foi uma bela minissérie, que abriu a programação 2017 da
Globo com chave de ouro.
André Santana
5 Comentários
Pode ser coincidencia apenas,mas as historias de irmaos esta de um jeito ou de outro em boa parte na obra do diretor Luiz Fernando Carvalho. Temos Os Maias, um amor entre irmaos, em Velho Chico isso quase se repetiu, so nao teve porque o publico adorou o casal Miguel e Olivia, e agora essa extraordinaria minisserie que fala sobre Caim e Abel.
ResponderExcluirParabens ao diretor que consegue se impor e ser fiel a si mesmo, ao longo de toda sua carreira. Geralmente um artista comeca uma carreira com toda aquela pureza de preservar seus principios mas ao longo do tempo, quando esta trabalhando numa empresa como a Globo ve que a producao eh industrial e um autor ou diretor se deixa levar pela ditadura da audiencia, e da voz da maioria da sociedade, ousam mas ousam dentro da estetica industrial, geralmente influenciada pelos seriados americanos.
Dois Irmaos primou alem de mostrar a maturidade do Luiz Fernando Carvalho, voltou a nos blindar com uma literatura da melhor qualidade, nao eh um livro best-seller (que alias nao tenho nada contra) ou esta nos ranking dos mais vendidos, mas a qualidade autoral como um Guimaraes Rosa, Machado de Assis, Eca de Queiros.
Parabens a autora Maria Camargo que foi fiel ao livro e soube trazer a dificil missao de por na tela a densidade psicologica dos personagens.
Sem duvida nenhuma todos os atores estavam bem, mas Caua se destacou por conseguir fazer os melhores gemeos masculinos da nossa teledramaturgia, ja que no geral sao as gemeas que ganham espaco. Na reta final de Velho Chico li em algum lugar que o contrato do Luiz Fernando nao havia sido renovado. Tomara que eu esteja errado, porque eh imperdoavel esse diretor nao produzir mais obras dessa grandiosidade.
Bem observado! Há muito de famílias, e principalmente "irmãos" na obra do Carvalho. Sou fã dele!
ExcluirOlá, tudo bem? Dois Irmãos foi uma chatiiiiiceee....Lenta.. Enfadonha... Foi bom para quem tem insônia.. Dormia rapidinho.. Rs... Preferi acompanhar Sem Volta. Ótima série exibida na Record. Estou sem o meu computador. Por isso, atualizarei agora o meu blog com o balanço final de Sem Volta. Abs, Fabio www.tvfabio.zip.net
ResponderExcluirSe tivesse um programa meu, eu lancaria um quadro com voce e o nosso Andre juntos, debatendo se digladiando kkk. Adoro voces dois as vezes concordo contigo,outras com o Andresito rs.
ExcluirFabio, discordo muito de você, haha! Achei Dois Irmãos maravilhosa, e não tive sono em nenhum episódio! Assisti aos primeiros episódios de Sem Volta e achei muito fraquinha! Enredo batido, cópia pobre de Lost, diálogos bobos, e muito vício de novela. Closes exagerados, trilha sonora incessante, direção quadrada. Não gostei! Rs... Abraço!
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