"Me beija e vamos embora, porque essa novela não fez o menor sentido!" |
Criticada pela maioria dos colunistas especializados do
início ao fim, O Outro Lado do Paraíso
terminou ontem, 11, sem surpreender e com direito à defesa de seu autor, Walcyr
Carrasco. O novelista declarou que a crítica não entendeu sua novela, pois os
críticos esperavam realidade numa novela que nunca quis ser realista. Nas
palavras dele, O Outro Lado do Paraíso
resgatou o folhetim clássico, com agilidade e reviravoltas, abusando da
fantasia e sem compromisso com a realidade. OK, direito dele defender a sua
obra e varrer para debaixo do tapete inúmeras incongruências que marcaram a
saga de Clara (Bianca Bin).
Claramente inspirada em O
Conde de Monte Cristo, O Outro Lado
do Paraíso contou mais uma história de mocinha vingativa no horário nobre.
Dona de terras de onde brotavam esmeraldas, Clara foi vítima da vilã Sophia
(Marieta Severo), que juntou uma gangue para botar em prática um plano para
conseguir aquelas terras para ela. Tratou de casar Clara com seu filho Gael
(Sergio Guizé) e, depois, uniu-se à filha Lívia (Grazi Massafera), o psiquiatra
Samuel (Eriberto Leão), o delegado Vinícius (Flavio Tolezani) e o juiz Gustavo
(Luís Mello) para fazer com que Clara fosse considerada louca e trancafiada num
hospício. Lá, a mocinha passa dez anos tendo aulas de etiqueta com Beatriz
(Nathalia Thimberg), se torna herdeira da elegante senhora e sai de sua prisão
rica, chique e com sede de vingança.
Com a ajuda de Patrick (Thiago Fragoso), sobrinho de Beatriz
e melhor advogado criminalista do país (mas que não foi capaz de tirar sua tia
do hospício, onde também foi trancafiada injustamente), e Renato (Rafael
Cardoso), o mocinho/vilão sem sutileza, Clara começa a se vingar de todos. Um
de cada vez, para fazer render os meses de novela. E coloca em prática planos
bem mal elaborados: na verdade, Clara não foi capaz de orquestrar grandes
vinganças. Apenas se aproveitava de situações que caíam no seu colo.
Ela descobriu que Samuel era homossexual que escondia sua
condição, e tratou de “arrancá-lo do armário”. Ele se sentiu humilhado numa
tarde, mas à noite já estava saindo para jantar com o namorado Cido (Rafael
Zulu). Seguiu exercendo a medicina e tocando sua vida. Já para se vingar do
juiz Gustavo (Luís Mello), a mocinha simplesmente deduziu que ele era o dono
misterioso do bordel de Pedra Santa. Ele foi desmascarado e deixou de ser juiz,
mas ficou por isso mesmo. Seus outros crimes foram esquecidos. A vingança principal,
que seria contra Sophia, também foi fraca. Ela simplesmente descobriu seus
assassinatos e a denunciou. Com Vinícius, o plano de vingança também veio a
partir de uma dedução: ela conheceu a enteada dele, Laura (Bella Piero) e
imaginou que ela tivesse sido vítima de abuso do padrasto. Ao menos, ele teve
punição à altura: foi descoberto, julgado e condenado pelos seus crimes. Acabou
assassinado na cadeia.
Enquanto Clara se preocupava em derrubar os cúmplices de
Sophia, ela deixou o caminho livre para que a vilã se tornasse uma serial
killer pra ninguém botar defeito. Com isso, mais uma situação sem sentido
surgiu em O Outro Lado do Paraíso: se
Sophia era capaz de matar com tanta frieza, por que diabos a vilã preferiu
jogar Clara num hospício, de onde ela poderia sair e simplesmente acabar com a
festa dela, ao invés de simplesmente matá-la a tesouradas? Claro, se ela
fizesse isso não haveria novela, mas são estas contradições no perfil dos
personagens que enfraqueceram a argumentação do enredo.
Além da história de Clara, O Outro Lado do Paraíso tinha uma outra história principal forte, a
saga de Beth (Gloria Pires). Acusada de ter assassinado o amante Renan
(Marcello Novaes), ela é obrigada pelo sogro do mal Natanael (Juca de Oliveira)
a forjar sua própria morte. Tornando-se Duda, ela se entrega ao vício do álcool
e, mais adiante, torna-se sócia do bordel de Pedra Santa. É quando ela descobre
ser a mãe de Clara. No entanto, depois disso, sua história cai
vertiginosamente, tornando-se um remendo estranho. Duda descobre que Renan não
morreu, reencontra a família, volta a ser Beth, mas é rejeitada pela filha
Adriana (Julia Dalávia), e seu alcoolismo retorna com força. Mesmo assim, ela
se cura quase milagrosamente e se torna coadjuvante de luxo.
A novela também pecou quando tentou fazer merchandising
social. Gael batia na esposa Clara, no início da história, mas se redimiu e
teve direito a final feliz. Ou seja, reforçou a impressão de que as mulheres
oprimidas por seus maridos violentos podem esperar uma mudança de
comportamento. A saga de Estela (Juliana Caldas), que trataria do interessante
tema do nanismo, não funcionou, já que a história dela enveredou para um
triângulo amoroso sem graça e aborrecido. A pedofilia teve um bom espaço, mas a
abordagem quase botou tudo a perder ao passar a mensagem de que o trauma de
Laura poderia ser curado com sessões de couch (?). Isso sem falar no reforço ao
preconceito contra homossexuais no pretenso núcleo de humor de Samuel. Sem
graça nenhuma e um desserviço.
E tudo isso regado a diálogos pobres, inacreditavelmente
didáticos e sem nenhuma sutileza. Tudo era dito na base do grito, com frases
cortantes feitas sob medida para chocar. Assim, os personagens caíam numa
caricatura rasa, como a racista Nádia (Eliane Giardini), que bradava aos quatro
cantos que não era racista, mas repetia frases racistas à exaustão. Nádia era
uma racista caricata, sem sutileza, feita para chocar. E deixou de ser racista
num passe de mágica, numa das muitas soluções fáceis propostas pelo autor ao
longo da novela. A mesma sutileza faltou em Renato. Quando era mocinho, estava
sempre com uma cara tediosa e monocromática. Quando se revelou vilão, nunca
mais se desfez do olhar de desdém, passando a maltratar todo mundo, até mesmo
quem ele era amigo quando “bonzinho”.
O ponto forte de O
Outro Lado do Paraíso foi mesmo sua estrutura narrativa, episódica, que foi
capaz de promover vários pontos de clímax no decorrer da novela. As viradas,
normalmente marcadas pela conclusão de uma das vinganças de Clara, mantinham o
interesse da audiência lá em cima. Neste ponto, Walcyr Carrasco foi feliz, pois
conseguiu contar várias histórias, mas mantendo uma linha narrativa principal,
a vingança de Clara. Sem dúvidas, foram estas viradas que fizeram O Outro Lado do Paraíso o sucesso de
audiência que foi.
Mesmo assim, isso não elimina seus inúmeros pontos fracos e
sua irresponsabilidade no trato de temas importantes. Então, senhor Carrasco,
não é que a crítica não entendeu sua proposta, o que aconteceu é que a crítica
entendeu, mas não comprou sua pretensa intenção de resgatar o folhetim
tradicional. Porque é possível fazer um folhetim tradicional sem cair na
preguiça e no lugar-comum. E é possível se apaixonar por uma história de
fantasia, desde que ela seja realmente uma fábula. Não se pode dizer que a
novela é uma fantasia, mas, ao mesmo tempo, tentar discutir temas polêmicos e
que estão na pauta da sociedade, e discuti-los porcamente, sem qualquer
responsabilidade, sob a capa de que se trata de uma “fantasia”. Ou é uma fantasia,
ou não é, não há meio termo. Foi isso que Walcyr Carrasco não entendeu.
André Santana
14 Comentários
Fiquei com pena da fraca atuação da Glória Pires como a ex- alcoólatra Beth, faz tempo que ela não tem boas atuações, mas ainda tem crédito.
ResponderExcluirEu tinha esperança que a saga de Beth salvaria O Outro Lado do Paraíso. Mas, em algum momento, a história se perdeu. Pena!
ExcluirOlá, tudo bem? Publicarei hoje no meu blog a lista com os pontos positivos e negativos de O Outro Lado do Paraíso. Realmente, foi a novela mais fraca do Walcyr Carrasco nos últimos 20 anos. Claramente, o autor percebeu o início pífio da trama no IBOPE e abusou dos clichês.... Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br
ResponderExcluirSim, foi bem ruim mesmo esta novela. Walcyr precisa de férias, não é possível trabalhar tanto e manter a qualidade.
ExcluirNovelinha de quinta categoria mesmo. Só fez sucesso porque o público brasileiro tem dificuldades em pensar. Pensar exige muito esforço e o público de hoje, cansado dos problemas do país, prefere historinha batida e entregue na bandeja. Adoraria que esse autor flopasse lindamente um dia. Quem sabe pararia de tratar o público como débil mental. Que assim seja!!!
ResponderExcluirWalcyr já teve seus flops (alô, Sete Pecados!), mas é um autor que não tem medo de se submeter às vontades de seu público, mesmo passando por cima da coerência. Por isso mesmo, dificilmente fracassa. Resta saber até quando essa fórmula pronta dele vai colar, já que tudo cansa.
ExcluirOetilo do walcyr carrasco sp funciona em novela das seis ele tem.uma linguagem facil demais ...ai discussões aduktas soam bobocas
ResponderExcluirConcordo, Walcyr devia ficar às seis mesmo.
ExcluirOi André. Primeiramente, dá gosto ler uma crítica sua. Leio todas e quando não tem crítica nova, vou "caçar" as antigas.
ResponderExcluirConcordo em gênero, número e grau.
O Outro Lado do Paraíso pode ter conquistado o "grande" público, pois realmente Walcyr tem o poder de catalizar a história e chamar a audiência para si, mas pra mim esta foi sua pior novela num ajambrado de todos os clichês possíveis de sua obra, cheia de furos, com saídas fáceis para temas sérios (como você mesmo disse), personagens sem função, inúmeras incongruências e humor que não fez rir. Me dava no saco quando ouvia "Marcel que caiu do céu" e afins. Além disso, não entendo como uma novela com três colaboradores teve tanto erro. Enfim, uma das piores novelas das 21:00. Nisso, Walcyr acertou. Abraço e sucesso!
Oi João! Puxa, obrigado por estar sempre por aqui! Comente sempre, por favor! E, pelo jeito, concordamos sobre as incongruências de O Outro Lado do Paraíso. Foi bem ruim mesmo.
Excluirps: Numa novela com tantos pessoas ligadas ao direito, a justiça passou longe.
ResponderExcluirA juíza foi atropelada a mando de Sophia e nem ela, nem o marido (o delegado pamonha) investigaram.
Lívia fez terrorismo, alienação parental com Thomaz e colocou droga na bebida da Clara e ficou por isso mesmo.
Como você falou, como pode Samuel ter dado um falso laudo médico e continuar clinicando? Além disso, recebeu propina de Sophia para um lançamento do livro e tudo bem "vamos voar, afinal é ficção".
Sophia tentou matar o avô de Clara no começo explodindo o bar, Rato matou um caminhoneiro a mando dele (acho que por engano) e a mesma mãos de tesoura mandou matar o delegado pedófilo. Ela chantageou o diretor do presídio e esses crimes não tiveram punição.
E a Nádia que recebeu propina e ficou por isso mesmo?
Enfim, novela péssima que não volte. E que Walcyr tenha descanso.
Na prática, ninguém foi punido de nada! É Walcyr pregando a impunidade no horário nobre. Responsabilidade mandou lembranças!
ExcluirFoi ruim do começo ao fim. Diálogos fracos e irritantes, situações forçadas, histórias sem graça, personagens sem função. Nada se salvou no desastre que foi essa novela. Fico imaginando no martírio para alguns atores terem que dizer aquele texto lamentável.
ResponderExcluirSim, a novela conseguiu até transformar bons atores em remendos.
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