Desfecho atropelado não fez jus a "Um Lugar ao Sol"

Christian (Cauã Reymond) e Renato (Cauã Reymond) em Um Lugar ao Sol (reprodução)

Um Lugar ao Sol contou uma história instigante. A autora Lícia Manzo propôs uma trama muito interessante ao narrar a trajetória de um protagonista que sonha em mudar de vida, mas se corrompe durante este trajeto ao tomar decisões equivocadas e se transformar num agente da opressão que sofreu quando vivia sua própria vida. “Quer conhecer alguém, dê poder a ele”, diz a máxima que a autora destrinchou por meio de Christian (Cauã Reymond).

Nesta proposta, Um Lugar ao Sol trouxe ao centro de seu enredo uma crítica social forte, contundente e muito bem desenvolvida. Por meio dos dois lados de Christian, a novela narrou, paralelamente, duas realidades oriundas das diferenças sociais. Quando Christian se torna Renato, as oportunidades que ele sempre sonhou finalmente aparecem. Enquanto isso, seu amigo Ravi (Juan Paiva) segue representando a falta destas mesmas oportunidades. O nascimento do filho de Christian com Bárbara (Alinne Moraes), e de Ravi com Joy (Lara Tremouroux), ao mesmo tempo, foi uma destas sequências reveladoras, que escancarou as duas realidades.

Christian foi um protagonista que começou a novela despertando compaixão e a terminou transformando-se num ser indefensável. Todo o seu passado sofrido ajudava a explicar a decisão do rapaz, quando ele decidiu assumir a identidade de seu irmão gêmeo, Renato (Cauã Reymond). Mas, a partir daí, Christian foi se lambuzando com seu pequeno poder conquistado, tomando atitudes cada vez mais controversas e entrando num espiral de mentiras. O ápice foi quando ele armou para matar Túlio (Daniel Dantas), o vilão chantagista. Não é ele quem mata Túlio, mas havia a intenção, deixando claro que Christian, naquele momento, ultrapassava seu último limite ético (se é que existia algum). Foi intenso.

Mas, ao contar a história deste homem nem um pouco defensável, Lícia Manzo acabou criando uma novela de pouco apelo popular. Um Lugar ao Sol foi muito interessante, muito bem escrita e com diálogos afiados, que buscavam explorar a alma humana, suas complexidades e contradições. Mas a trama não trouxe um herói para o qual torcer, nem tipos populares capazes de provocar alguma identificação no público. Com isso, afugentou o público tradicional de novelas.

Ainda assim, Um Lugar ao Sol contou uma história muito boa. No entanto, justamente pela qualidade da trama, a novela merecia um desenvolvimento mais bem cuidado. Lícia escreveu uma bela trama, mas por conta desta proposta diferente, a autora acabou abrindo poucas concessões ao clichês mais básicos do folhetim, o que acabou fazendo falta.

Um exemplo: o acidente de helicóptero que matou Túlio e Ruth (Patty Dejesus). É compreensível que a autora tenha optado por não mostrar o acidente, já que a ideia era fazer o público, assim como Christian, acreditar que foi ele quem provocou a morte ao sabotar os remédios do vilão. Funcionou. No entanto, o público sente falta quando não vê algo que aconteceu, ainda mais em se tratando de um momento tão importante da trama. Assim, caberia, ao menos, um flashback mostrando o acidente depois que Santiago (José de Abreu) revela ao genro a real causa da morte. Isso manteria a intensidade da culpa de Christian, e, ao mesmo tempo, saciaria a curiosidade do público.

Algo parecido aconteceu na reta final, deixando a novela cansativa. Um Lugar ao Sol deixou para o último capítulo a revelação do segredo de Christian. Assim, com pouco tempo para explorar as consequências desta revelação, a coisa acabou ficando sem emoção. O público acompanhou por meses a transformação deste Christian, testemunhando todas as suas crises. Sendo assim, o público merecia testemunhar, também, as consequências destes atos controversos. E isso não aconteceu.

Após a revelação, a única reação que vimos foi Lara (Andreia Horta) indignada, distribuindo tapas no rapaz, ao descobrir que foi enganada por ele. Depois disso, não vimos como Bárbara (Alinne Moraes) ou Santiago (José de Abreu) receberam tal notícia. Aí o capítulo já pulou para um julgamento insosso e a condenação do rapaz, que passou anos na cadeia. Ficou claro que a autora não considerou estas sequências importantes, pois o que ela queria era explorar o conflito interno de Christian. Ok. Mas o público tem outros anseios. Estes momentos catárticos são esperados pela audiência. Se eles não acontecem, a frustração é inevitável.

Isso seria facilmente resolvido se a revelação de Christian acontecesse uma ou duas semanas antes do fim da novela, e não apenas no último capítulo. Assim, haveria tempo para explorar a reação da revelação em todos os núcleos, além de deixar mais evidente o castigo e a queda de Christian. É até incompreensível que isso não tenha acontecido antes, já que, em seu último mês, Um Lugar ao Sol andou em círculos. Havia tempo para explorar isso melhor, mas, estranhamente, a autora optou pelo banho-maria e despejou tudo apenas no episódio derradeiro. Aliás, concentrar todos os desfechos dos coadjuvantes numa festa na casa de Santiago foi outro momento frustrante. Os finais dos personagens foram apenas citados em conversas ali, e pronto. Alguém comentou que Elenice (Ana Beatriz Nogueira) e Teodoro (Fernando Eiras) morreram de covid… sério? Matar o Teodoro pra que, gente?

Apesar deste erro crasso, Um Lugar ao Sol, no geral, foi bem-sucedida ao contar uma história diferente, com muitas nuances e fortes emoções. Personagens como Bárbara, Noca (Marieta Severo), Rebeca (Andréa Beltrão), Ilana (Mariana Lima), Breno (Marco Ricca), Gabriela (Natália Lage), Júlia (Denise Fraga), Érica (Fernanda de Freitas), Stephany (Renata Gaspar) e Elenice proporcionaram excelentes sequências, cheias de sensibilidade e humanidade.

André Santana

26/03/2022