"Todas as Flores" x "Travessia": Globo concorre com ela mesma

Zoé (Regina Casé), de Todas as Flores (divulgação/TV Globo)

O “debate” da vez entre os espectadores diz respeito às novelas Todas as Flores, do Globoplay, e Travessia, da TV Globo. Enquanto a primeira vem ganhando elogios rasgados de público e crítica, a segunda só apanha e amarga baixos índices de audiência. Com isso, não falte quem defenda que Todas as Flores, e não Travessia, é que deveria ocupar o horário nobre da TV aberta.

Sobre isso, o diretor Erick Bretas, responsável pelo digital e canais pagos do Grupo Globo, afirmou que esta boa recepção a Todas as Flores já era esperada, e que a ideia é justamente essa. Segundo o diretor, a novela de João Emanuel Carneiro é um produto “premium”, e, como tal, deve estar no Globoplay. Além disso, como Chico Barney perguntou em sua coluna no Splash UOL: quem pagaria para ver Travessia, não é mesmo?

Este cenário deixa claro uma coisa: sem querer, a Globo está concorrendo com ela mesma. Como Travessia e Todas as Flores foram lançadas praticamente ao mesmo tempo, criou-se um cenário de rivalidade entre as tramas, como se elas disputassem a atenção do público. Com isso, claro, não faltaram boatos sobre a ciumeira de Gloria Perez, que teria até pedido (veja só!) que a Globo não exibisse propaganda de Todas as Flores no intervalo de sua novela.

Brisa (Lucy Alves), em Travessia (divulgação/TV Globo)

Na prática, tudo isso é onda de fã. Obviamente, as novelas não são concorrentes, já que estão em plataformas diferentes. Além disso, é bem pouco provável que a Globo esteja desconfortável com a boa repercussão de Todas as Flores, pelo contrário: tudo o que a emissora queria era uma novela de streaming capaz de mobilizar a audiência e, assim, render mais assinantes para seu serviço. A emissora, claro, deve se voltar a tentar resolver os problemas de Travessia, que não passam pelo sucesso de Todas as Flores.

Porém, embora esta rivalidade não se justifique na prática, não deixa de ser interessante que se tenha criado uma concorrência entre as “duas novelas das nove” da Globo. Afinal, isso só reforça que a Globo não tem concorrente de fato no Brasil. Enquanto os demais canais abertos disputam migalhas a tapa, a Globo segue em sua confortável posição, mesmo tendo perdendo público no horário nobre. A única novela de fora da Globo a repercutir é justamente uma novela do Globoplay. Ou seja, tá tudo em casa!

Além disso, o êxito de Todas as Flores fortalece o Globoplay como um serviço de streaming especializado em novelas. A plataforma até tem outros produtos, mas são as novelas os seus carro-chefe. Clássicos da Globo convivem ali com novelas portuguesas, mexicanas e turcas. E, agora, o serviço também tem novelas originais, num ciclo iniciado com Verdades Secretas 2 e consolidado com Todas as Flores. Estão no caminho!

Por fim, a boa receptividade de Todas as Flores representa a volta por cima de João Emanuel Carneiro. Desacreditado após o fraco desempenho de A Regra do Jogo (2015) e Segundo Sol (2018), o autor agora volta a mobilizar seu público. Um hype, aliás, que talvez ele não alcançasse se Todas as Flores estivesse na TV aberta, sujeita às inúmeras concessões. Ou seja, Todas as Flores tinha, sim, que estar no Globoplay. A estratégia é acertada.

André Santana

29/10/2022