O recado que o público de SBT e Record dá às emissoras com A Caverna Encantada e Força de Mulher

Mell Summers e Elam Lima em A Caverna Encantada (divulgação)

O SBT e a Record deram início a uma nova guerra de audiência envolvendo novelas essa semana. Enquanto a emissora de Silvio Santos lança mais uma de suas novelas infantis, A Caverna Encantada, a estação da Barra Funda surpreende e substitui suas tradicionais novelas bíblicas por um dramalhão turco, Força de Mulher.

Resultado: o público preferiu a Record. A novela do SBT estreou registrando os mais baixos índices de audiência da história de sua teledramaturgia para crianças, enquanto o folhetim enlatado da concorrente conseguiu reter parte do público de A Rainha da Pérsia e registrou bons números para os atuais padrões da emissora.

Os primeiros resultados dão um recado muito claro do público às respectivas emissoras: os espectadores estão cansados do “mais do mesmo”. A audiência da Record reagiu positivamente a uma novidade, enquanto a audiência do SBT demonstra um cansaço dos folhetins voltados para os pequenos. As duas emissoras deveriam refletir mais sobre esses resultados.

Continua depois da publicidade

A mesma novela de sempre

A Caverna Encantada conseguiu estrear com números ainda mais baixos que A Infância de Romeu e Julieta, que já havia sido considerada um fracasso. E não é difícil entender os motivos para a falta de entusiasmo do público do SBT.

A nova aposta de Íris Abravanel nada mais é que um “saladão” de tudo o que o SBT já fez antes. Há salas de aula, uma professora doce e uma diretora malvada, tal qual Carrossel (2012). Há um grupo de meninos e meninas que vivem juntos, assim como Chiquititas (2013). E há um colégio interno como cenário principal, ao melhor estilo Carinha de Anjo (2016). Tudo isso regado a muitos números musicais, como os vistos nas novelas anteriores, e também em Cúmplices de um Resgate (2015) e As Aventuras de Poliana (2018).

A estratégia está clara. Depois de tentar ampliar as temáticas com Poliana Moça (2022) e A Infância de Romeu e Julieta, que não deram certo, o SBT tenta uma volta ao passado para buscar o público de volta. O problema é que A Caverna Encantada parece um repeteco menos carismático das novelas de sucesso.

O primeiro capítulo, por exemplo, foi arrastado sem necessidade, cheio de repetições de situações vistas nas outras novelas e sem grandes emoções. Cansou. Tudo é muito bem-feito, o SBT realmente alcançou uma qualidade técnica em suas novelas infantis que chama a atenção. Mas a trama em si não diz nada. É insossa, parte do nada para lugar nenhum.

O SBT já sentiu que não terá vida fácil com a produção e já anunciou uma estratégia que deve ter feito Silvio Santos se orgulhar de sua filha, Daniela Beyruti, atual mandachuva da emissora. A partir desta segunda-feira, 5, A Caverna Encantada ganha um segundo horário, às 18h30. Claramente, bateu o desespero. Vamos ver o que acontece.

Continua depois da publicidade

Enlatado ou reprise?

Força de Mulher (reprodução)

Já na Record, a falta de produção própria consistente sempre foi um problema na emissora. Tanto que, a cada hiato de Reis, o canal se via obrigado a recorrer a reprises. Para piorar, além da faixa das 21h, a emissora ainda reserva o espaço das 21h45 para dramaturgia. Ou seja, são faixas de novelas demais para produções de menos.

Para evitar a enésima reprise de Jesus (2018), o canal decidiu tapar o buraco deixado por A Rainha da Pérsia com o drama turco Força de Mulher. A princípio, apostar numa trama dublada no horário nobre parece andar para trás. Porém, considerando as opções, é melhor apostar em algo importado e inédito do que em mais uma reprise de mais uma novela bíblica.

Assim como o SBT enfrenta desgaste de suas novelas infantis, as tramas bíblicas da Record também já não rendem tanto quanto antes. A interminável Reis dividiu espaço com A Rainha da Pérsia, uma minissérie que conta uma história que a Record já contou outras duas vezes, com as duas versões de A História de Ester - em 1998 e 2010. Ou seja, o canal não tem para onde correr com suas novelas baseadas no livro sagrado. Parece sempre a mesma história.

Neste contexto, Força de Mulher não apenas se coloca como algo inédito, como também dá um “respiro” das narrativas bíblicas. Trata-se de um dramalhão contemporâneo, com uma narrativa mais conservadora, do jeito que o público da Record gosta. A novidade, ao que se vê, foi bem-aceita. A trama está indo bem.

Num mundo ideal, a Record revezaria novelas contemporâneas próprias com produções bíblicas. Mas, considerando a pouca musculatura da atual teledramaturgia da emissora, uma novela importada serve como solução. Aliás, a emissora já sabia disso, pois exibiu a série canadense Quando Chama o Coração como uma novela diária e obteve bons índices. 

Continua depois da publicidade

Futuro

O público passou importantes recados para SBT e Record. Resta saber como as duas emissoras vão receber este feedback e como transformarão isso em novas estratégias de programação num futuro próximo.

A Record, por exemplo, não vai abrir mão de sua dramaturgia bíblica, até porque elas atendem o objetivo de evangelização da emissora. Tanto que virão novas temporadas de Reis, além das minisséries Neemias - “spin-off” de A Rainha da Pérsia - e Paulo, o Apóstolo. Mas, se ao menos seguir evitando reprises no horário nobre, já terá dado um bom passo.

Quanto ao SBT, ainda é cedo para cravar que A Caverna Encantada falhou. A novela, na verdade, reflete uma crise de audiência que acomete toda a emissora e, portanto, sempre existe a possibilidade de uma recuperação. Porém, independentemente disso, é fato que as narrativas das tramas infantis estão esgotadas. É preciso buscar novas soluções.

Aliás, a própria Televisa, eterna parceira do SBT, já havia percebido isso. A gigante mexicana, há tempos, abriu mão de produzir novelas para crianças, que fizeram sucesso no passado no próprio SBT. Talvez seja a hora de o canal brasileiro tomar uma decisão.

André Santana

03/08/2024